O machismo destrói as fantasias infantis e determina regras até mesmo para as brincadeiras

Uma grande rede de supermercados da Alemanha, com lojas em toda a Europa, colocou à venda esta semana aquelas tendinhas infantis. Eu lembro que existiam, na minha época de criança, umas casinhas com os personagens da turma da Mônica, mas nunca cheguei a ter uma. Eu tive uma casinha que, na verade, era um galinheiro desativado que foi limpo e adaptado: servia de casa de bonecas, de escola, de banco, de escritório, de ateliê, de hospital, de zoológico e do que mais desse na telha. Eu tive ainda muitas barracas feitas com galhos de árvore, bambu, folhas de palmeira e de banana. Eu podia imaginar ser qualquer coisa dentro desses espaços.

Lembrei disso quando vi as infames tendas dispostas no supermercado: uma azul e uma rosa, claro. Uma para meninas, com jardim, bichinhos e onde ela aguarda o príncipe fazendo caras e bocas; e uma de menino, onde ele é o rei ou o cavalheiro dono do castelo, o senhor do feudo, o chefe de estado. O machismo é onipresente e se instala desde as brincadeiras da infância, sugerindo comportamentos “adequados” à sociedade patriacal. Ela, dócil. Ele, valente.

Me cansa essa binariedade, especialmente com coisa de criança. Os pais perpetuam essa divisão do mundo em rosa e azul. Tem pra menino? Será que eles fazem para menina também? Isso vale pra roupa, sapato, enfeite de porta, bolsa, cola pra por lacinho na cabeça (Jura!?!?! Vai que alguém comete a heresia de errar o sexo do bebê!). Bolsa de carregar fraldas agora tem sexo. Bicicleta tem sexo. Fogão de plástico também. Até pipa, apito e bola. A tendinha de pano tem sexo e define a função social da criança na brincadeira.

Parem, por favor. Apenas parem! Um sapato de criança é um sapato. Se o menino gostou do rosa, ele passa a ser um sapato de criança que, por um tempo, pertence a um menino. Se a menina quer o tênis do super homem, ele passa a pertencer a menina. Mas não é de menina ou de menino. Façam a foto da tendinha do castelo com duas crianças brincando lado a lado, como cavalheiros. Façam a casinha com uma foto em que as crianças trabalham juntas para cuidar das bonecas ou do jardim. Entendam que as questões de gênero vão muito além da genitália e que, se comparadas às cores, as identidades são uma cartela pantone.

Coisas de crianças não precisam de gênero (nem adultos precisam!): coisas de criança precisam de adequação térmica, segurança, conforto e praticidade para brincar. Por favor, apenas parem de colocar o mundo em duas caixinhas, uma azul e outra rosa onde reinam príncipes e princesas: ser feliz é viver livre da necessidade de entrar em uma delas. Deixem lugar para a criatividade: ela tem as cores do arco-íris.

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